OMS faz aviso sério ao mundo: “O sistema falhou em proteger-nos da covid. Se não o mudarmos agora, não nos protegerá da próxima ameaça”

0

A pandemia de covid-19 podia ter sido evitada e o mundo deve aprender com os erros que não permitiram travar a disseminação do SARS-CoV-2: esta é a principal conclusão de um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado esta quarta-feira e elaborado ao longo dos últimos oito meses por um painel independente de especialistas. Além de identificar os erros do presente, o estudo apresenta recomendações para que uma tragédia semelhante não ocorra no futuro.

“O sistema atual falhou em proteger-nos da pandemia de covid-19. E se não atuarmos para mudá-lo agora, não nos protegerá da próxima ameaça pandémica, que poderá ocorrer a qualquer momento”, adverte Ellen Johnson Sirleaf, codirigente do painel de especialistas e ex-presidente da Libéria, cargo que ocupou entre 2006 e 2018.

No imediato, o painel de especialistas apela aos países mais ricos e às farmacêuticas para que haja um levantamento das patentes e para que exista uma partilha do conhecimento tecnológico.

Entre aquilo que falhou, o relatório critica a lenta atuação dos governos mundiais, uma vez que, mesmo antes da crise sanitária, a comunidade científica já alertava, sem grande repercussão pública ou política, para a eventualidade de que um vírus respiratório poderia dar origem a uma pandemia. Era uma questão de tempo, de acordo com os especialistas. Os autores da investigação consideram que a declaração de emergência internacional foi “tardia”, o que se traduziu num mês de “fevereiro perdido” para travar a disseminação do SARS-CoV-2.

“As estantes dos arquivos da ONU e das capitais dos países estão cheias de relatórios e revisões de crises de saúde anteriores. Se tivesse sido dada atenção aos alertas, teríamos evitado a catástrofe em que nos encontramos hoje”, reforça Johnson Sirleaf. Na última década, 11 comissões e painéis científicos emitiram 16 relatórios com recomendações para precaver uma pandemia. “Apesar das mensagens coerentes, poucas das sugestões foram aplicadas”, lamentam os autores desta investigação.

A “presunção de inocência” do vírus agravou o problema

Entre as 155 páginas do relatório, os especialistas constatam que a capacidade de resposta era, na maioria dos países, insuficiente e dão como exemplo Espanha, em que não houve equipas de proteção civil para enfrentar as primeiras semanas de embate da covid-19. Por outro lado, Japão, Coreia do Sul e Taiwan são mencionados como bons exemplos, uma vez que já tinham enfrentado a epidemia de SARS em 2003.

Entre o final de dezembro, quando foram reportados os primeiros casos na China, e 30 de janeiro de 2020, quando a OMS emitiu o alerta mundial, o painel de especialistas reconhece que “não houve a rapidez suficiente” na atuação. E o dedo é apontado à China, uma vez que “a informação sobre os casos e as suas características não foram disponibilizados com a celeridade suficiente”, pode ler-se no documento. Á época, assumiu-se que o vírus não se transmitia entre humanos, mas os investigadores frisam que não deve existir “presunção de inocência” para os vírus.

“A conclusão é que o sistema de alerta não funciona com a velocidade suficiente quando se enfrenta um patógeno respiratório que se move rapidamente. O Regulamento Sanitário Internacional é um instrumento conservador pela forma como está construído e contribui para restringir em vez de facilitar uma ação rápida”, assinalam os autores do relatório.

“Se tivessem sido impostas restrições de viagens mais rapidamente e de forma mais generalizada, ter-se-ia travado enormemente a transmissão da doença”, defende Helen Clark, uma das especialistas da equipa. “Isso continua a acontecer atualmente em países muito dependentes do turismo, que abriram portas e acabaram por sofrer com novas vagas”, acrescenta Clark, para quem houve “falta de liderança e de coordenação global” para travar a pandemia, com a resposta à crise sanitária ainda mais dificultada por “tensões geopolíticas e nacionalismos”.

Outra das lacunas foi a falta de preparação dos sistemas de saúde. “A preparação significa planificar previamente múltiplas dimensões, incluindo ter equipas de proteção adequadas, pessoal suficiente, apoio para o tratamento de crianças, bem como para dar resposta aos problemas de saúde mental e garantir os salários àqueles que trabalham na linha da frente”, sustenta o relatório.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor insira seu comentário!
Digite seu nome aqui