Neste sábado, 30 de Março estaremos celebrando, pelo segundo ano, o DIA INTERNACIONAL DO LIXO ZERO, com o objetivo de despertar a consciência coletiva mundial quanto `a importância de combatermos a geração irracional de resíduos ambiente/ecologia integral.
Todavia, precisamos colocar este tema, um dos maiores ou talvez o maior desafio socioambiental que a totalidade dos países, principalmente as cidades vem enfrentando ultimamente, com problemas de coleta e destinação final dos resíduos sólidos/lixo nas últimas décadas.
Há uma semana foi celebrado o DIA MUNDIAL DA ÁGUA, sendo que um dos destaques em relação á água é que a mesma além de estar cada dia mais escassa, também está sendo contaminada, suas fontes em processo de degradação contínuo, cada dia de forma mais intensa, principalmente por lixo urbano, industrial e agrícola, comprometendo o abastecimento humano e também a própria economia.
A questão do aumento da produção, geração de resíduos sólidos faz parte de um circulo vicioso que, como paradigma precisa ser quebrado e substituído por novos paradígmas no que concerne as relações da humanidade com a natureza.
O desafio de combater a geração de lixo precisa ir mais a fundo, bem além da reciclagem, que é importante, mas na verdade é apenas uma forma mitigadora da irracionalidade humana em termos de utilização de bens e serviços, base de todos os sistemas econômicos, principalmente do sistema capitalista “selvagem”, irracional que só tardiamente está acordando e percebendo que se destruirmos a natureza, provocarmos o desequilíbrio ambiental, com certeza estaremos destruindo o planeta.
Por isso, precisamos despertar a consciência coletiva que na origem da geração crescente de resíduos sólidos está, inicialmente, a volúpia consumista; o consumismo é alimentado por uma máquina de propaganda e “marketing” que induz as pessoas a adquirirem cada vez mais bens e serviços além de suas necessidades; o consumismo gera o desperdício em todos os setores da economia e da sociedade, desperdiçamos alimentos, roupas, energia, água, bens duráveis e não duráveis de forma além da capacidade do planeta, afinal solo, água, minerais e os combustíveis fósseis são recursos, bens da natureza escassos e não renováveis e precisam ser utilizados com parcimônia e racionalidade.
O Consumismo e o desperdício leva-nos ao que é chamado de “economia do descarte”, da obsolescência prematura dos diversos bens que adquirimos, muito mais do que precisamos para atender nossas necessidades básicas e um estilo de vida saudável.
A consequência do consumismo, do desperdício e da economia do descarte é o aumento cada vez em quantidade e tipo de lixo, resíduos sólidos que produzimos, principalmente o lixo plástico que permanece gerando impactos no meio ambiente e na saúde humana por centenas de anos. O Brasil já é o quarto país em produção de lixo plástico do planeta, apesar de ser o sexto país em tamanho de população.
Assim, o consumismo, o desperdício, a economia do desgaste ao aumentar a produção de mais lixo e não darmos a destinação correta ao mesmo, só levam `a degradação ambiental, `a mudança climática/crise climática, fruto do aquecimento global, ao aumentam das catástrofes “naturais”, mas que em suas origens são geradas pelas ações humanas, `a fome e a morte.
Parece que o ritmo do processo de degradação ecológica ou socioambiental está contribuindo, se bem que de forma extremamente vagaroso, para um despertar mundial quanto `a loucura que tem sido a destruição de biomas, ecossistemas, enfim, a destruição irracional da biodiversidade em todos os continentes e países, em que o lixo é apenas uma parcela deste desastre anunciado.
Ao logo de séculos, inclusive nos últimos 50 ou 70 anos, desde meados do século passado quando o ritmo de crescimento econômico se tornou mais rápido, diante do esgotamento e escassez de diversos “recursos naturais”, que até então ou até mesmo na cabeça de alguns cegos, ambientalmente ou ecologicamente falando, imaginavam e ainda imaginam que tais recursos, ou seja, que a natureza é inesgotável, jamais pode acabar.
Diante de tantos estudos, debates, conferências internacionais, repetindo, aos poucos o mundo vai acordando de uma letargia que tem ajudado no agravamento da crise climática, do aquecimento global, enfim, da destruição do planeta.
Inúmeros desses estudos conduzidos por cientistas de renome em diversas áreas do conhecimento tem demonstrado que o planeta, que os biomas, enfim, os ecossistemas tem “um ponto do não retorno”, ou seja, a partir de um nível de destruição, a natureza, a biodiversidade dificilmente conseguem se recuperar. Daí o avanço da desertificação, do aquecimento das águas dos mares e oceanos, da erosão, do desmatamento e queimadas que estão colocando inúmeras, milhares de espécies animais e vegetais em processo de extinção.
Neste contexto, desde a primeira conferência mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, passando por tantas outras conferências internacionais, inclusive as “famosas” Conferências do Clima, as “COPs”, que são realizadas anualmente, sob a coordenação da ONU, com dezenas de milhares de participantes, inclusive representantes oficiais e dirigentes de diversos países, onde são celebrados os famosos acordos, que acabam apenas sendo documentos de papel, bem distantes do cumprimento de tais acordos, repito, é neste contexto que também o movimento ambientalista mundial, constituído, basicamente por organizações não governamentais e também por cientistas e estudiosos das questões socioambientais, tem buscado alertar a população mundial quanto aos riscos que , nós, humanos, estamos correndo.
Destruindo a natureza na busca de um lucro imediato que acaba ampliando o fosso entre uma minoria poderosa política, econômica e socialmente, em detrimento da grande maioria da população e, também, das gerações futuras, na verdade o que estão sendo destruídas são todas as formas de vida existentes no planeta, inclusive e ou principalmente a vida humana.
Diante desses alertas desde a ECO 92, realizada no Rio de Janeiro em 1992 e ao longo desses 32 anos, as discussões e reflexões acontecidas nessas conferências e outros eventos especiais, tem demonstrado que só existe um caminho para salvarmos o planeta desta destruição insana. Este caminho tem nome: SUSTENTABILIDADE ou DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, que nada mais significa do que o uso parcimonioso e racional dos “recursos naturais”, a grande maioria que não são renováveis.
Para atingirmos a SUSTENTABILIDADE, o Desenvolvimento Sustentável é fundamental rompermos com a lógica capitalista perdulária e insana, baseada no “marketing” que alimenta um CONSUMISMO doentio, que por sua vez também estimula um enorme DESPERDÍCIO que observamos em todos os setores da economia e da sociedade em nível mundial, ambos, CONSUMISMO e DESPERDÍCIO contribuem para o aumento vertiginoso da geração de resíduos sólidos, enfim, o que chamamos de LIXO, afetando negativamente os biomas e ecossistemas e a vida humana.
`A medida que ainda continuamos assistindo um crescimento demográfico significativo em geral e uma verdadeira explosão da urbanização, ou seja, as migrações rurais com destino `as cidades e a constituição de grandes centros urbanos, as chamadas megalópoles, com mais de um, cinco, dez ou até trinta milhões de pessoas nas chamadas regiões metropolitanas é um fato em todos os países, inclusive no Brasil. Este processo teve uma aceleração absurda nesses últimos 70 anos e, tudo leva a crer que vai ser intensificado ainda mais nas próximos tres ou quatro décadas.
A geração ou produção de lixo tem aumentado rapidamente nas áreas urbanas, principalmente nas grandes cidades e nas áreas metropolitanas, em ritmo muito superior `a capacidade financeira e de gestão das administrações públicas locais e regionais, tornando a questão dos resíduos sólidos ou do que popularmente denominamos de lixo em um problema quase insolúvel, afetando tanto a qualidade de vida quanto a própria economia dessas regiões, países e cidades.
Inúmeros estudos tem demonstrado cabalmente que o consumo, o consumismo e o desperdício, que contribuem para o aumento da geração de resíduos sólidos/lixo está diretamente relacionados com o nível de renda tanto individual quanto de países. As pessoas das camadas de renda mais elevadas e os países com os maiores PIBs são os que geram mais lixo, em detrimento da grande maioria da população nacional e mundial que acabam sendo as maiores vítimas deste processo de degradação ambiental/ecológica, enfim, da destruição do planeta.
É comum, ainda, países desenvolvidos descartarem seu lixo exportando-o para países de baixa renda, principalmente na Ásia e na África, além de contaminarem os oceanos e mares. Os 20 países que tem as maiores economias do planeta são responsáveis por praticamente 50% do lixo produzido no mundo.
É neste contexto de um despertar ecológico lento que em 2015 a ONU aprovou alguns marcos significativos para orientar o desenvolvimento socioeconômico mundial tendo por base os 17 OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL e suas 169 metas, destacando dois desses objetivos que estão diretamente relacionados com a questão dos resíduos sólidos, principalmente do LIXO ZERO.
O Objetivo 11 estabelece “Cidades e comunidades sustentáveis” e o de número 12 “Consumo e produção responsáveis/sustentáveis”, em ambos a questão do uso racional dos recursos naturais está bem explicita a ideia de que precisamos reduzir o nosso consumo, principalmente a volúpia consumista ou seja o consumismo e o desperdício que contribuem para o aumento exagerado de lixo e seus impactos, consequências tanto para o meio ambiente natural quanto e principalmente para a saúde individual e coletiva e a dignidade humana.
Em 2015 também o Papa Francisco publicou a Encíclica Laudato Si, onde enfatiza a responsabilidade tanto de cristãos (católicos romanos, ortodoxos e evangélicos), quanto adeptos de outras religiões para melhorarmos o cuidado com a “casa comum”, o planeta terra, enfatizando que “o grito da terra é também o grito dos pobres”, que precisamos passar por uma conversão ecológica, tanto individual quanto comunitária/coletiva, para atingirmos a cidadania ecológica.
Para tanto é preciso “realçar a economia”, que é a proposta contida na “Economia de Francisco e Clara”, em que as nossas relações ou seja as relações da humanidade com a natureza não pode ser apenas de uma forma utilitarista e perdulária, mas sim, de respeito a natureza como obra da criação e que temos também um compromisso com as gerações futuras (justiça inter geracional) e não podemos deixar uma herança maldita de um planeta que será uma grande lixeira para as gerações futuras.
Estamos `as vésperas das eleições municipais no Brasil, quando os eleitores irão escolher neste ano prefeitos e vereadores de todos os municípios, de todas as cidades do país. Esta deveria ser uma ótima oportunidade para questionarmos os candidatos e partidos em relação `as suas propostas, políticas públicas, planos e programas voltados ao meio ambiente, principalmente para enfrentar os problemas e desafios dos resíduos sólidos/lixo e do saneamento básico.
Todavia, precisamos ficar atentos para que tais propostas não fiquem apenas no papel para enfeitar gabinetes e longe de serem instrumentos para transformarem esta triste e vergonhosa situação que é a questão socioambiental, principalmente o saneamento básico (cuidado com a água, com os esgotos, com a limpeza urbana e com a gestão e destinação correta dos resíduos sólidos).
Esses são aspectos que deveriam fazer parte de nossas reflexões neste segundo ano em que “celebramos” o LIXO ZERO, que ainda está muito mais próximo de uma UTOPIA do que de uma realidade concreta!
Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral.
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