Por Guilherme Antonio Maluf
Os Tribunais de Contas têm desempenhado relevante papel na administração pública, sendo órgãos essenciais à democracia, por meio do aprimoramento constante de sua função institucional de fiscalizar, aferir a eficiência e a efetividade das políticas públicas, induzir boas práticas e promover a articulação de soluções para a melhoria da gestão pública e do bem-estar da sociedade.
Neste caminho, é necessária a atuação do controle externo nos debates e no planejamento das políticas públicas de saúde, dentre as quais destaco a Assistência Farmacêutica.
A Política Nacional de Medicamentos (PNM), instituída pela Portaria GM/MS n.º 3.916/1998 e a Atenção Básica à Saúde estabelecem os princípios para a distribuição e o uso racional dos medicamentos, buscando garantir não apenas a cobertura, mas também a qualidade dos processos de Assistência Farmacêutica.
A descentralização dos serviços de saúde é uma diretriz fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, visando aprimorar o acesso à Assistência Farmacêutica para a população.
Considerando que o acesso a medicamentos à população nos municípios é um desafio rotineiro para os gestores de saúde, os consórcios públicos são uma alternativa eficiente para aquisição de medicamentos, possibilitando economia de recursos e uma melhor gestão dos serviços de saúde.
Essa estratégia de aquisições conjuntas de medicamentos pelos consórcios públicos possibilitam a implementação de ações de saúde em municípios com recursos limitados e que não teriam condições de oferecer tais serviços de forma independente.
Ao adquirir medicamentos em conjunto, os consórcios têm poder de negociação, resultando em melhores preços e com condições mais favoráveis. Além disso, a compra em escala pode aperfeiçoar o planejamento e gestão da demanda, ampliar a variedade de medicamentos, facilitar a logística de distribuição e melhorar a gestão dos recursos públicos, garantindo o abastecimento adequado, a redução de desperdícios e o uso mais eficiente dos medicamentos nos diferentes municípios envolvidos.
De acordo com a Lei n.º 11.107, de 6 de abril de 2005, e do Decreto n.º 6.017 de 17 de janeiro de 2007, os consórcios públicos buscam a cooperação entre entidades federativas para atingir metas de interesse comum, facilitando a distribuição mais justa de medicamentos, considerando as disparidades regionais e socioeconômicas do extenso território brasileiro.
Neste sentido, consta orientação expressa no artigo 181 e parágrafo único da Lei n.º 14.133, de 1º de abril de 2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) quanto à obrigatoriedade de constituição de centrais de compras nos entes federativos, constituindo preferencialmente consórcios públicos para contratações de compras em grande escala nos pequenos municípios, considerados aqueles com até dez mil habitantes.[1]
Reforçando a vantajosidade do modelo de aquisição de medicamentos por meio dos consórcios públicos, destaco que a Controladoria-Geral da União, em recente trabalho[2], analisou se as Prefeituras Municipais de Mato Grosso que compraram medicamentos em grandes quantidades em determinado período, conseguiram preços mais vantajosos.
O resultado da análise demonstrou que os medicamentos comprados em quantidades acima da média apresentaram preços homologados 32% menores que aqueles comprados em quantidades abaixo da média.
Não há dúvidas que esse resultado positivo reforça a premissa que os consórcios públicos como meio de aquisição de medicamentos constituem inequívoca oportunidade de geração de economia nas compras públicas, visto que atendem as particularidades regionais, suprimindo as demandas específicas da população e superando os desafios do sistema de saúde.
O consórcio Paraná Saúde (PR) e o consórcio Intermunicipal de Saúde de São Lourenço (MG) são exemplos de sucesso na aquisição consorciada de medicamentos.
O Paraná Saúde, criado em 1999, reúne 398 municípios e compra medicamentos para o SUS, mantendo a autonomia municipal. O consórcio de São Lourenço, com 17 municípios, foi estabelecido em 2016 para reduzir custos e facilitar a aquisição de remédios essenciais, tendo como resultado uma economia de 69% nos preços dos medicamentos licitados.
A experiência do Estado de Minas Gerais foi reconhecida com um prêmio na 17ª Mostra Brasil “aqui tem SUS” em 2022 durante o XXXVI Congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Além disso, o trabalho foi certificado como modelo pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS/OMS), o que demonstra a importância e o impacto do projeto no contexto da saúde pública.[3]
Em Mato Grosso, no ano de 2019, foi instituído o Consórcio Intermunicipal de Saúde de Mato Grosso (CONSUS/MT), objetivando a compra e distribuição de medicamentos, insumos, serviços e equipamentos. No entanto, não há evidências sobre a implementação da aquisição coletiva de medicamentos.
Neste contexto, é imprescindível a reformulação da política de acordo com a realidade do Estado, adotando-se a aquisição regionalizada de medicamentos por meio dos consórcios públicos, a qual possibilitará o atendimento da necessidade dos usuários de forma mais ampla e com a economicidade que o modelo propõe.
Atualmente, os Consórcios de Saúde Vale do Teles Pires e Vale do Rio Cuiabá praticam a compra coletiva, indicando que esse modelo tem potencial para ser expandido em Mato Grosso.
Neste contexto, verifica-se que essa estratégia tem se mostrado uma medida eficaz para enfrentar o subfinanciamento da saúde e permite não apenas uma economia de escala, mas a otimização do uso do orçamento na aquisição conjunta de medicamentos, a promoção da eficiência na gestão da Assistência Farmacêutica, e, ainda, a continuidade e a qualidade do atendimento à população.
Por fim, na condição de Presidente da Comissão Permanente de Saúde, Previdência e Assistência Social do Tribunal de Contas de Mato Grosso, defendo que a estratégia de aquisição coletiva de medicamentos pelos consórcios públicos é uma boa prática a ser seguida pelos gestores do nosso Estado.
Guilherme Antonio Maluf é graduado em Medicina, com pós-graduação em gerência de cidades pela Faap e mestrando pelo IDP. Foi deputado estadual em Mato Grosso por mais de 20 anos e hoje, como conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT), preside a Comissão Permanente de Saúde, Previdência e Assistência Social (COPSPAS).
[1] Art. 181. Os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em grande escala, para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades desta Lei (grifo do autor).
Parágrafo único. No caso dos Municípios com até 10.000 (dez mil) habitantes, serão preferencialmente constituídos consórcios públicos para a realização das atividades previstas no caput deste artigo, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005 (g.n.).
[2] Avaliação de Execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica – Cbaf sob a responsabilidade das prefeituras municipais de Mato Grosso.
[3]https://portal.conasems.org.br/brasil-aqui-tem-sus/reportagens-especiais/74_compra-consorciada-de-medicamentos-promove-economia-e-amplia-acesso-em-municipios-mineiros