“Decidi ir para a Juventus porque não queria jogar no Natal, como se faz em Inglaterra. Havia mais sol, não conhecia nada sobre o clube, mas sabia que ia ser uma aventura”, disse o médio francês.
Antes, já tinha usado a braçadeira de capitão da seleção gaulesa com apenas 23 anos. A França não teve grande prestação no Mundial e Platini, bode expiatório para o desaire dos Blues, levou com as culpas por parte dos adeptos. Mas isso durou pouco. Ficou apenas três anos no St. Etienne, com mais um título no bolso e duas finais da Coupe de France por ganhar. A lenda começava a crescer, a história escrevia-se quase tão rápido como a influência do gaulês nas equipas por onde passava.
A sua família, com nacionalidade francesa mas com raízes italianas, ficaria provavelmente feliz com a sua próxima decisão: vestir a camisola da Juventus. Em vez de rumar a Inglaterra, com Tottenham e Arsenal a suspirar pela sua ida, Platini foi para a terra onde o futebol é religião. Já lá morava um tal de Maradona no Nápoles. Tornaram-se rivais. Número 10 contra número 10. Quase que foram colegas de equipa. Ficaram as imagens.
Essa relação com a Juventus, que teve início em 1982, no ano em que a França perdeu, de forma dramática, nas meias-finais do Mundial contra a República Federal da Alemanha na “Noite de Sevilha”, foi o início de um casamento perfeito. “Decidi ir para a Juventus porque não queria jogar no Natal, como se faz em Inglaterra. Havia mais sol, não conhecia nada sobre o clube, mas sabia que ia ser uma aventura”, disse o médio francês num documentário da Skysports:
Por esta altura, Platini já era maestro da seleção, o patrão que ordenava, organizava e encenava tudo. Depois da trágica derrota com os alemães, os franceses, mais experientes, queriam vingança. Quanto à passagem pela Vecchia Signora, o francês foi colecionando mais títulos ao longo de cinco temporadas: a segunda Bola de Ouro, dois campeonatos (83/84 e 85/86) e uma taça (82/83) mais uma Taça dos Campeões Europeus (1984) em Heysel, jogo trágico que fez 39 mortos. Platini bem festejou, sim, porque fez o único golo na partida. Mas depois, já com os holofotes virados para a sua cara, quase chorou.
Limpadas as lágrimas, chegamos ao ansiado ano de 1984. Um verão quente para os franceses, anfitriões do europeu, que queriam saborear a tal vingança e tentar o Olimpo. Não havia Holanda, Inglaterra ou União Soviética. Nem a República Federal da Alemanha, uuff, felizmente. Platini marcou 9 dos 14 golos de França em toda a competição — recorde só agora ultrapassado por Cristiano Ronaldo, que fez 12 até neste Euro 2020. Dois hat-tricks. E a vitória final diante da Espanha por 2-0. Deus descia à terra e encontrava-se com o seu homólogo francês para o coroar. Era até então a única grande potência a nunca ter ganho aquele troféu.
Falta o amargo de boca que provocou a Portugal nas meias-finais no Vélodrome. A seis minutos do fim, o número 10 francês, sozinho na área, fez das suas. 3-2, não se fala mais disso. Não foi partida para “corações fracos”, não. Mais vale esquecer.
MIchel Platini’s 9 goals for France in Euro 84. pic.twitter.com/K5koMe4S4n
— When Football Was Better (@FootballInT80s) October 7, 2017
“Platini com estatuto de acusado em investigação a Blatter”. Este é um dos muitos títulos de notícias que podem ser encontrados assim que se pesquisa agora o nome do médio gaulês. Longe vão os dias das letras gordas a idolatrá-lo. Longe vão os tempos que os números nada mais representavam senão golos, livres ou títulos conquistados. A investigação começou em 2015 e colocou, lado a lado, Michel Platini, como presidente da UEFA, e Joseph Blatter, antigo líder da FIFA. Este último terá pago cerca de 1,8 milhões de euros ao primeiro, que lhe queria suceder. Esse sempre foi o plano. As autoridades suíças não encontraram justificação para o pagamento realizado nos anos 90, quando Michel François dava os primeiros passos na maior instituição do futebol mundial. O dinheiro só seria depositado anos mais tarde em 2011.
Foram ambos banidos do futebol durante oito anos, sendo que a pena foi, entretanto, encurtada para. O futebolista conseguiu ainda reduzi-la mais dois anos. Mas há mais. Noutro processo onde os dois estão envolvidos — e que chega até ao ex-presidente francês, Nicolas Sarkozy –, recai a suspeita de terem sido pagos milhões de euros à FIFA para que o Qatar fosse o país escolhido para organizar o mundial de 2022. O capitão da seleção chegou a ser detido pela polícia francesa — e não porque sugeriu que esta competição fosse jogada no inverno. A sucessão do suíço parecia estar prestes a ser entregue a Platini, mas não aconteceu.
Para perceber como o par mais poderoso do futebol acabou na desgraça, rodeado por um dos maiores escândalos de corrupção no futebol — com mais personalidades relevantes a serem apanhadas na curva pelas autoridades norte-americanas — é preciso, novamente, recuar.
Em 2002 saltou para o comité executivo da UEFA até chegar à sua presidência cinco anos mais tarde. Um caminho feito lado a lado com Blatter. Chung Mong-joon, o rival sul-coreano (também banido do futebol) de ambos na corrida ao primeiro organismo, apelidou aquela relação de “pai e filho”, em 2015, ano em que o suíço ganharia a reeleição (quinto mandato), para suposto desagrado de Platini, que queria o lugar. Mais tarde, o francês trairia o progenitor.
Nessa corrida para o Qatar receber a competição mundial de 2022, Platini deixou pontas por esclarecer e episódios, no mínimo caricatos, que levantaram demasiadas suspeitas, mas encarados pelo francês com toda a naturalidade.