Artigo: Direitos Humanos e os povos indígenas

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POR JUACY DA SILVA

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um mapa que pode ajudar a humanidade e os países a acabarem com as guerras, a promoverem uma vida de paz e dignidade para todos/todas e a atenuas as divisões “ António Guterres, Secretário Geral da ONU, por ocasião da Abertura da solenidade alusiva aos 75 anos da referida Declaração, em 2023.

“As raízes dos direitos humanos encontram-se na dignidade da pessoa humana criada por Deus; existe interligação das relações neste planeta, pois Somos chamados a viver em uma justa relação com Deus, uns com os outros, conosco mesmos e com toda a criação, a nossa casa comum.” Arcebispo Ettore Balestrero, observador permanente da Santa Sé junto às Nações Unidas em Genebra, 09 de Dezembro de 2023, por ocasião da Solenidade alusiva ao Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Na próxima terça feira, 10 de Dezembro estará sendo “comemorado”, celebrado o DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS, em alusão `a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, aprovada pela ONU neste mesmo dia em 1948, ou seja, há 76 anos, tendo como um de seus signatários originalmente o Brasil. Dia dos Direitos Humanos 2024

Esta declaração é considerada um marco histórico no reconhecimento e na promoção dos direitos e liberdades fundamentais de todas as pessoas, independente de sua nacionalidade, etnia, gênero, religião ou outras características. O documento também inclui direitos civis e políticos, assim como direitos econômicos, sociais e culturais.

O Dia Internacional dos Direitos Humanos tem como objetivo lembrar a comunidade internacional em geral e todos os países em particular, INCLUSIVE O BRASIL, que é signatário tanto da Carta da ONU quanto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, além dos demais tratados e acordos internacionais específicos nesta área, quanto a importância de proteger e promover os direitos humanos em todo o mundo. Esse dia também serve como uma oportunidade para destacar os desafios e as atuais violações dos direitos humanos, cometidos em todos os países, além de promover a conscientização e a ação em sua defesa.

A referido Declaração de 1948,  consiste em 30 artigos que abordam diferentes aspectos dos direitos humanos. Alguns desses direitos incluem: Direitos `a igualdade e a não discriminação; direito `a vida, a liberdade, `a segurança e `a dignidade humana; proibição de tortura, de tratamento e punições cruéis, desumanos ou degradantes; direito a igual proteção perante a Lei e aos tribunais; direito a um julgamento justo, à presunção de inocência até prova em contrário; direito de pensamento, de consciência e de religião; direito `a liberdade de expressão; direito ao trabalho, em condições e salário justo e digno; direito `a educação, `a saúde, `a previdência e proteção na velhice e diversos outros direitos, como salário igual para trabalho igual, independente de gênero, etnia e cor da pele, direito de associar-se a entidades diversas.

Mesmo tendo transcorrido todo este tempo, no mundo todo, inclusive no Brasil, ainda assistimos inúmeras formas e situações em que os Direitos Humanos têm sido e continuam sendo desrespeitados, diuturnamente, diante de denúncias de tortura, feminicídio, homicídios, racismo, intolerância religiosa, homofobia, machismo, abandono de incapazes, etarismo e tantas outras formas como acesso `a educação pública de qualidade e gratuita, aos serviços de saúde pública entre outros direitos fundamentais que tem sido sistematicamente negados `a população

Além disso, não podemos olvidar as atrocidades que tem acontecido nas diversas guerras entre países, conflitos armados, atos terroristas que tem acontecido nessas mais de sete décadas e que acabam vitimando muito mais populações civis inocentes, crianças, mulheres, idosos do que combatentes, propriamente considerados, cujos exemplos mais recentes é a guerra movida pela Rússia contra a Ucrânia, de Israel contra o povo palestino, a guerra civil na Síria e outras partes do Oriente Médio, África, a violência em países da América Central, no Equador e no Haiti e em outros países.

O desrespeito aos direitos humanos, em suas mais variadas formas, inclusive todas as formas de violência, é um atentado contra a dignidade das pessoas e não pode ser tolerado em qualquer parte do mundo, inclusive em um país que se diz viver sob a democracia, como é o Brasil, onde a violência do crime organizado e a violência de agentes do Estado não respeitam os direitos humanos.

Ao longo dessas mais de sete décadas, tanto a ONU quanto diversos outros organismos internacionais e também inúmeros governos nacionais aprovaram diversos “avanços” legislativos, garantindo e ou ampliando, explicitando de forma mais clara e efetiva direitos humanos específicos de grupos sociais, demográficos, étnicos, raciais, de gênero, como forma de melhor favorecer tais garantias.

Em relação aos direitos humanos, existe um sistema internacional com seus organismos e tratados e também organismos regionais responsáveis pelo acompanhamento e implementação referentes à África, `a Europa e `as Américas.

O Sistema Internacional global, sob a responsabilidade direta da ONU, como Instituição representativa de todos os Estados, territórios e da União Européia, é constituído pelo Conselho dos Direitos Humanos, diretamente subordinado `a Assembleia Geral e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, vinculado ao Secretário Geral da ONU, a quem incumbe zelar pelo fiel compromisso dos países em relação a todos os acordos, tratados e convenções relacionadas com os direitos humanos.

Para facilitar a implementação de tais direitos a ONU criou entidades regionais, especialmente para os países das Américas (Norte, Central e Sul) e o Caribe; para a Europa e para a África.

No caso específico das Américas existe o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, vinculado `a Assembleia da OEA – Organização dos Estados Americanos, com dois organismos/Entidades a Comissão interamericana de direitos humanos e a Corte Interamericana de direitos humanos, a quem cabe julgar crimes relativos aos Direitos Humanos cometidos por países que integram a OEA.

O Documento básico, além dos já mencionados que fazem parte do Direito Internacional e da estrutura global da ONU, existe também a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem  que foi o primeiro instrumento internacional a declarar direitos humanos, aprovado em 1948 na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá. A declaração foi um marco histórico, antecipando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi aprovada seis meses depois

Em 1969, foi assinada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José de Costa Rica ou CADH, que entrou em vigor em 1978. Esta convenção estabeleceu o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos.

Apesar de todo este corpo jurídico internacional e regionais, aqui cabe uma reflexão, pois, boa parte ou talvez a maior parte de tais direitos ficam apenas no papel e em discursos, principalmente de “autoridades”, durante certas solenidades, enquanto tanto pessoas quanto grupos humanos estão constantemente sujeitos a inúmeras formas de desrespeito aos seus direitos humanos fundamentais e a todas as formas de violência de que temos conhecimento, inclusive, violência contra a própria vida, que é o direito humano mais sagrado e fundamental.

Em todos os países, inclusive no Brasil, continuamos assistindo, tanto por parte de agentes e das estruturas governamentais práticas atentatórias contra a dignidade e os direitos humanos das pessoas, além da omissão das esferas governamentais em definirem e implementarem políticas públicas voltadas `a proteção e promoção dos direitos humanos.

Notícia recente, de 31 de Outubro de 2024, ou seja, há poucos dias traz a público a omissão dos governos municipais nesta área ao mencionar que “de 2019 a 2023, cai a número de municípios com estrutura organizacional para os Direitos Humanos”.

A matéria esclarece ainda  que “em quatro anos, houve queda de 10,5 p.p no total de municípios do país com estrutura organizacional específica para cuidar das atividades relacionadas à política de Direitos Humanos. Em 2023, 34,1% dos municípios tinham essa estrutura, quantitativo inferior aos 44,6% registrados em 2019. Já no âmbito estadual, todos os estados investigados tinham alguma estrutura, sendo as secretarias em conjunto com outras políticas as estruturas mais frequentes. Mato Grosso do Sul (20,3%), Santa Catarina (21,0%), Mato Grosso (21,3%) e Tocantins (23,0%) foram os estados com as menores proporções de municípios que contavam com tais estruturas

Vamos destacar neste artigo a triste realidade que envolve os povos indígenas no Brasil, em relação aos direitos humanos, mencionando um pronunciamento recente do Presidente do CIMI. ““A violência contra os povos indígenas não pode ser tolerada ou naturalizada”, Cardeal Leonardo Ulrich Steiner Arcebispo de Manaus (AM) e presidente do Cimi

No Brasil os povos indígenas, quilombolas, mulheres, crianças, idosos, pessoas portadoras de deficiência, agricultores familiares, posseiros, ribeirinhos, minorias como integrantes do movimento lgbtqia+, adeptos de religiões de matriz Afro, trabalhadores, principalmente trabalhadores rurais, com frequência são encontrados em condições análogas `a escravidão e outros mais, continuam sendo vítimas de inúmeras formas de desrespeitos aos seus direitos humanos.

Neste contexto e nesta oportunidade, eu gostaria de destacar como os povos indígenas historicamente, ao longo de séculos, inclusive na atualidade tem sofrido inúmeras formas de violência tanto contra a vida  quanto patrimonial (invasões de suas terras, seus territórios), cultural e religiosa.

Quando falamos ou analisamos os Direitos Humanos, principalmente neste momento que vamos “celebrar” 76º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos da ONU, vamos tomar como exemplo, o que está acontecendo no Brasil em relação aos direitos dos povos indígenas.

Antes, porém, é importante salientar que durante a 107a Sessão Plenária da Assembleia Geral da ONU, realizada em 13 de Setembro de 2007, foi aprovada a DECLARAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS sobre os DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS, que passou a ser incorporada tanto `a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, já mencionada quanto ao Direito Internacional.

Além da garantia de vários direitos, cabe ressaltar que o Artigo 26 da citada Declaração dos Direitos dos povos indígenas, deixa claro os direitos `as terras dos povos indígenas, como podemos ver: “1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido. 2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido. 3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram”.

Apesar deste “avanço” em termos legais promovido pela ONU, em relação aos povos indígenas, da mesma forma que em relação também a outros grupos sociais, como mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência que também tem seus direitos estabelecidos de forma mais clara, precisamos analisar a realidade dos fatos, confrontando-os com tais “diplomas legais”, internacionais e nacionais.

De pouco adianta a existência de Tratados e Leis internacionais e nacionais se os e as mesmas não são cumpridas e a impunidade em relação aos crimes contra os direitos humanos desses grupos ou categoriais sociais e demográficas acabam estimulando mais desrespeito e mais violência.

Em relação aos povos indígenas, por exemplo, a questão do chamado “marco  temporal”, base para definir a demarcação das terras indígenas continua sendo um motivo para uma “queda” de braço entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal e pode continuar sendo um estopim para que esta violência que existe atualmente possa aumentar em proporções alarmantes, fazendo muito mais vítimas, principalmente entre os povos indígenas.

Cabe ainda destacar que, com frequência nos deparamos com noticiário nos meios e veículos de comunicação sobre massacres contra os povos indígenas  e assassinatos de suas principais lideranças, como o que tem acontecido com os Guaranís, Kaiowás, e  Terenas em Mato Grosso do Sul, os Bororos e Xavantes em Mato Grosso e os Yanomamis, em Roraima e outros estados da Amazônia, os Pataxós no Sul da Bahia e inúmeros outros povos nos mais diferentes estados brasileiros.

Boa  parte da violência tem como principal alvo suas terras, seus territórios, principalmente tendo em vista que o Governo Federal ao longo de décadas tem sido omisso, leniente e não tem conseguido demarcar legalmente os territórios indígenas e recuperar parte das terras que foram griladas ou ocupadas irregularmente ou impedir  atividades nocivas `a vida, `a integridade cultural desses povos, como a presença de garimpos e mineração,  o uso de mercúrio e de agrotóxicos irregulares em seus territórios.

Outra ameaça, que também pode ser caracterizada como desrespeito aos direitos dos povos indígenas tem sido a construção em territórios indígenas de grandes barragens para a produção de energia hidrelétrica ou mesmo a construção de PCHs – Pequenas Centrais Hidrelétricas que afetam os rios que estão em territórios indígenas e prejudicam a pesca, que, ao lado da caça e da agricultura familiar, representam as formas de subsistência (alimentação) desses povos, como aconteceu recentemente quando um grupo empresarial pretendia (e ainda pretendia) construir diversas PCHs no Rio das Mortes em Mato Grosso, afetando o Povo Xavante e outros mais.

Existem também inúmeros conflitos envolvendo povos indígenas em decorrência da abertura de rodovias e a construção de ferrovias, que acabam facilitando a migração de população não indígena que passa a ocupa ilegalmente suas terras (grilagem, madeireiros, atividades agropecuárias etc).

O CIMI – Conselho Indigenista Missionário, em 05 de Julho último (2024) publicou o Relatório sobre Violência contra os Povos Indígenas, um documento com 253 páginas, baseado em dados relativos ao ano de 2023, detalhando todas as formas e lugares em que essas violências ocorreram, fartamente documentado, vale a pena conferir.

Outro exemplo de violência potencial que podemos observar, faz parte de uma resolução do  CNDH – Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprovada recentemente na forma de  uma RECOMENDAÇÃO AO GOVERNO FEDERAL/GOVERNO LULA e aos Governos dos Estados do Pará e Mato Grosso, para que suspendam o projeto de construção da Ferrovia FERROGRÃO, que pelo traçado original irá passar dentro de TERRITÓRIOS INDÍGENAS em ambos os Estado, causando sérios e irreparáveis prejuízos `aqueles povos, em total desrespeito aos DIREITOS HUMANOS dos mesmos.

Esta é a síntese da Recomendação N. 14, de 09 de Outubro último (2024) – Recomenda ao Governo Federal e aos Governos Estaduais do Pará e de Mato Grosso, SUSPENDER todos os atos administrativos referentes ao Projeto da Ferrogrão, até que seja realizada a devida consulta prévia, livre, informada e de boa fé aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, respeitando-se seu caráter vinculante de consentimento ou veto, em conformidade com a Convenção 169 da OIT, bem como outras medidas urgentes.

É importante, imperioso que os movimentos sociais, as ONGs – Organizações Não Governamentais, as Igrejas, as entidades sindicais e comunitárias, os “clubes” de serviços que defendem a causa dos pobres, excluídos, marginalizados e injustiçados em nosso país e até mesmo os partidos políticos e instâncias governamentais não se omitam, mas participem desta luta pelos direitos humanos de povos indígenas e também de outros grupos sociais que também não têm seus direitos humanos respeitados.

Direitos humanos são sinônimos de respeito `a dignidade das pessoas e o principal fundamento da democracia, da justiça, da solidariedade e de sociedades/nações com mais igualdade, equidade e inclusão, sinônimo também de amor e respeito ao nosso próximo, fundamento também de todas as religiões. Por isso é urgente que passemos da teoria, dos discursos para uma prática efetiva e verdadeira. Esta é a mensagem que devemos enfatizar neste 10 de Dezembro de 2024, quando vamos “celebrar” o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

Juacy da Silva, professor fundador, titular e aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Whats app 65 9 9272 0052 Instagram @profjuacy

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